24/08/2023

Mais que leve




Com o brilho do sol a banhar-me a face, a pele fresca tocada por gotas de água e um impulso, um salto, tornei-me weightless. O estrangeirismo foleiro que descreve de forma inigualável aquele sentimento. Depois do pequeno salto, senti a gravidade a puxar-me para a Terra, atravessar a barreira da água e tornar-se numa força cada vez menos intensa até deixar de existir. Aquela que é a noção física mais básica da nossa vida no planeta simplesmente esvaiu-se quando ainha alma encontrou este novo elemento. 

Por momentos existi apenas ali, em repouso, sujeita a uma força nula que me deixou suspensa. A gravidade zero num sítio tão banal como o mar, ainda assim tão espetacular. Aquele intervalo de tempo que definiu o momento pareceu, paradoxalmente, parar o tempo, enviar-me para um descontínuo que apenas aconteceu na minha mente.

Se tudo no universo tem uma massa e por isso está sujeito a atração, como é que tão fisicamente fui capaz de desafiar os dogmas e leis da física e ser e mão ser nada num momento descontínuo do tempo. E tudo isto sem ninguém dar por isso. É um segredo que guardo para mim para o pôr em prática de forma repetida mas sempre tão mágica como daquela primeira vez em que o descobri.


24/05/2023


Isto é um texto de amor. 

Li num livro algures várias passagens sobre o amor em todos os contextos da vida. Amor romântico, Amor de Amizade, Amor Próprio. Como todos estes são partes do mesmo todo e como este todo é que deveria ocupar a nossa vida, e não só uma das partes.

Amor para mim também é isto, é o planar de uma gaivota na janela do meu quarto, é uma melodia calma com uma bateria e um piano por trás, é o ecrã do meu livro à primeira luz de todas as manhãs antes de rebentar a bolha da realidade. Amor é a ferramenta, o modo de enfrentar a vida de maneira mais bonita nos dias em que o mundo parece desabar.

Amor é o à vontade para enviar uma mensagem em momentos de fragilidade em que não quero admitir que preciso de ajuda. É uma chamada onde não tenho nada para dizer e ocupo o tempo de quem está do lado de lá. Amor é perceber que preciso de mim como dos outros e que não posso ter medo de ser um esturbilho para as pessoas de quem gosto.

Amor são várias pessoas, vários dias, inúmeros sentimentos e momentos. Amor é a reflexão, a abstração, a meditação e o conforto. Quando tive sorte, encontrei este amor numa pessoa, mas ainda pego nele todos os dias um pouco pelo meu caminho, nas coisas bonitas da vida.

Há dias em que não nos achamos merecedores de amor, da felicidade de viver e estar vivo e aproveitar os segundos com propósito. São estas situações em que o amor são pessoas, abraços e o calor dos carinhos.

Da mesma forma que dá trabalho manter uma relação romântico ou de amizade, nutrir o amor todos os dias pelas pequenas coisas da vida requer manutenção. Mas é um trabalho que vale a pena, não fosse a ausência do Amor na vida o maior sofrimento do ser humano.

Voos longos




Como as andorinhas, também nós voamos.
Cada um tem a sua temporada de voo e uma trajetória individual, tão única, tão genuína, perfeitamente ajustada à nossa frequência própria de vida.
Os voos podem ser pequenos, curtos, temporários ou podem ser voos mais longos, ambiciosos, determinados e planeados. E fazemos dos dois, e nenhum é mais importante.
Quando um voo termina, é essencial uma pausa para repasto, voltar à base e respirar fundo. Para depois nos lançarmos ainda mais determinados à procura dos próximos voos.
No final da vida, damos por ela que não foi a vida que passou a voar, fomos nós que voamos através dela.
E que sejam voos longos.

19/11/2022

Montanhas e precipícios




A vida é feita de altos e baixos. Há momentos em que o caminho corre muito bem mas, ainda assim, há um aperto no coração que me dá vontade de desistir. Por medo do que está apara vir ou por uma razão qualquer, desconhecida e insignificante, tudo o que devia saber bem sabe a imerecido, pura sorte ou aos riscos que parece trazer.

Há dias em que estou no topo da montanha, bem, feliz, realizada, mas o tapete enrola-se por baixo dos meus pés e perde-se o controlo. Sem culpa de nada nem ninguém, a vida intervém com uma chapada de realidade dura. Nada do que parece estar certo é controlável. Somos apenas objetos de um destino que brinca connosco, dando-nos liberdade dentro de um ambiente controlado para apenas depois nos virar do avesso e mostrar tão facilmente que a vida não é como nós queremos,

Depois subimos outra vez, ao início com medo que rapidamente tudo volte a descambar, sem aviso. Mas nesta fase ainda estamos avisados, razão pela qual a premonição é tortura suficiente para que nada aconteça mas soframos na mesma. Mas depois ganhamos confiança de novo, tolos, ingénuos. Acreditamos que detemos nas nossas mãos todo o poder do futuro e que o manipulamos à nossa vontade.

Não sabemos, mas é nestes momentos que estamos mais frágeis, menos de sobreaviso. Como patinhos, prontos a cair. E caímos de novo. E tudo volta a repetir-se.

Há quem deixe de se levantar, escolha viver no sofrimento permanentemente porque a inconstância se revela mais dura do que a certeza de que se há de sofrer. Mas a maioria segue até ao fim da linha sempre a cair e a levantar-se, contentando-se com os altos que lhes são permitidos vivenciar e mascarando os baixos a todos os que de fora vêem (afinal não é a toda a gente que vou mostrar o meu choro mais feio e mais primitivo).

Os momentos de fragilidade são difíceis, de viver e de aceitar. Mas vão sempre existir. E às vezes torna-se fácil esquecer-me disto.

02/10/2022

O clube do livro secreto




Sentadas na cabine de um café, numa terrinha perto de casa, percebemos que todas temos algo que não nos pertence. Chegamos de tarde, com o sol bem alto e acalentador. A conversa pela qual todas esperávamos há muito para pôr em dia começou a fluir e, entre atropelos de tanta coisa que queríamos contar e partilhar, uma delas lembrou-se que tinha o meu livro. Talvez já não se lembrasse, mas há três anos que também eu lhe tinha sequestrado "O ano da Morte de Ricardo Reis", e que, com o mesmo acaso característico da vida, o tinha começado a ler há um mês. Também eu tinha um livro que não me pertencia, mas que lhes pertencia. A que faltava também tinha um livro que era meu, que há muito já tinha perdido o paradeiro, sem nenhuma mágoa ou ira. Os livros são para partilhar, para oferecer sem v de volta, para pedir emprestados mesmo sendo meus.

Confio que os meus livros estão melhores nas mãos de quem os leia e os descubra, passem os anos que passarem. E sem contar, as mesmas amizades de sempre mantém um clube do livro secreto, de que nem elas sabem a existência.

Todas mudamos muito desde que os livros saíram das nossas mãos, mas, quando retornarem, vão vir das mesmas pessoas a quem foram emprestados. E que boa coincidência foi descobrir esta complô do destino numa cabine de um café em casa, o sítio onde crescemos juntas.

Quando saímos já era de noite e as folhas caíam das árvores.   

29/12/2021

Devaneios II




Tenho uma urgência dentro de mim que me apressa. Para fazer tudo, viver tudo, sentir tudo. Muitas vezes tudo de uma vez. É uma urgência que me deixa incompleta quando não a atendo e que me sobrecarrega sempre que me tento completar.

Esta urgência é uma necessidade que nunca será preenchida. Ou me deixa exausta num mundo caótico onde o peso do mundo cai sobre as minhas costas, ou me deixa perturbada por não estar a ser mais, a fazer mais, a exigir mais do que posso fazer.

Talvez advenha do medo de não ser suficiente. Suficientemente algo. Suficientemente capaz, suficientemente exigente, suficientemente determinada. Suficientemente seguido dos adjetivos que povoam a lista de características procuradas pelos outro. Portanto, parte desta urgência é só uma forma de atender aos requisitos externos, àquilo que me é dito que se procura em mim. 

Não sei como a curar, nem sei bem se o devia fazer (talvez já se tenha tornado parte de mim), mas sonho ganhar perícia para a equilibrar no topo da minha cabeça enquanto ando pela trave da vida. E espero um dia fazê-lo sem receio.

08/09/2021

Devaneios I




 

São 00:36. Chove lá fora mas ainda é Setembro. Por alguma razão, para mim, Setembro ainda é verão e os meses ainda merecem que se escrevam com letra maiúscula. Já as estações... 

Imagino se deixássemos de nos tratar por letra maiúscula. "Bom dia maria, como vai a vida?" Perderíamos um pouco de nós, do que nos torna humanos. É puramente um ato de humanidade elevar as pessoas acima de coisas com a honra que é a capitalização. Equivale quase a um prémio Nobel para um candeeiro. Ou um Candeeiro.

Por isso é que Deus se escreve sempre com maiúscula, mesmo que seja Ele ou n'Ele. Porque tem de nos lembrar que está acima de todos, quem quer que ele/ ela/ el@ seja. Nisso com os nosso contemporâneos já somos mauzinhos, já são eles, elas, todes, todos e todas. 

Acredito, por isso, que a maior forma de humilhação é chamar alguém pela letra minúscula. Desqualificar ao ponto de não merecer a mínima menção de humanidade. Que sorte que não conseguimos verbalizar a capitalização ou muitos arrufos já se tinham visto a ser começados nas ruas por nomes em minúscula.

Imaginem, ir preso porque o Manuel me chamou por minúscula. Uma razão válida. Afinal com a honra não se brinca.